Ao justificar a decisão, o governador Wilson Lima citou a queda no número de óbitos em Manaus e o aumento na oferta de leitos para o tratamento da Covid-19.
Com a oposição da Prefeitura de Manaus e ressalvas de especialistas e da Igreja Católica, o governador Wilson Lima (PSC) anunciou a reabertura gradual do comércio e de cerimônias religiosas na capital amazonense a partir da próxima segunda-feira, 1º de junho.
Ao justificar a decisão, Lima citou a queda no número de óbitos em Manaus, o aumento na oferta de leitos para o tratamento da Covid-19 e o fato de que 25 mil dos 32 mil casos confirmados no estado estão recuperados.
“Toda essa reabertura será de forma gradual e seguindo regras de distanciamento, de uso de máscara e da capacidade de ocupação desses estabelecimentos comerciais”, disse Lima na quarta (27), em entrevista coletiva.
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Ao seu lado, estava o deputado estadual e pastor da Igreja Universal João Luiz (Republicanos), autor de um projeto de lei aprovado que inclui missas e cultos entre serviços essenciais.
É a segunda vez que Lima anuncia a reabertura do comércio. Na primeira tentativa, o início seria em 15 de maio, mas ele recuou da decisão devido aos números elevados de Covid-19.
Apesar do decreto, a Igreja Católica continuará com as missas suspensas até pelo menos 23 de junho. A procissão de Corpus Christi foi cancelada. “Estaremos colaborando e ajudando muito mais não retomando logo”, disse à Folha o arcebispo da de Manaus, dom Leonardo Steiner.
A decisão do governo não inclui o interior, onde os casos de coronavírus crescem mais rápido que em Manaus. Lima afirmou que, nessas cidades, o cronograma de reabertura caberá aos prefeitos.
Além da pressão evangélica, o fator socioeconômico pesou na decisão. Manaus registra o maior desemprego entre as capitais, com uma taxa de 18,5%, segundo o IBGE. O número é do primeiro trimestre, antes da explosão da epidemia.
Desafeto político de Lima, o prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB) não estava presente na coletiva. Em nota à imprensa, ele afirmou que se posicionou contra a data da reabertura em teleconferência com o governador.
“Eu não faria um plano de reabertura agora, mas, como foi feito, coloco toda minha torcida para o êxito. Vamos lutar para que dê certo, mesmo eu não concordando com a ideia”, disse o tucano ao governador, segundo o comunicado oficial. “Temo por uma segunda onda, um segundo pico, que pode ser ainda mais grave.”
Até esta quarta, Manaus havia registrado 14.800 casos confirmados (44% do Amazonas), com 1.272 óbitos. Especialistas afirmam que há uma grande subnotificação em ambos os números devido à baixa testagem e ao colapso no sistema de saúde em abril, resultando em centenas de mortes em casa, várias delas sem causa de morte definida.
O número de mortes em Manaus teve queda nas últimas semanas, mas continua acima em comparação ao ano passado, quando a média foi de 28 sepultamentos/dia.
Nesta quarta-feira (28), houve 47 sepultamentos e cremações nos espaços da prefeitura de Manaus. O recorde foi registrado no dia 26 de abril: 142 enterros. Para atender à demanda, a prefeitura passou a utilizar valas comuns.
MAIS LEITOS, MENOS MORTES
Segundo a Secretaria de Saúde, o número de leitos clínicos para tratamento de Covid-19 subiu de 639 para 1.138 leitos clínicos, com taxa de ocupação de 51% em todo o estado.
Com relação à UTI, a capacidade aumentou de 107 para 243 leitos, com taxa de ocupação de 82%. Apenas Manaus possui o serviço de UTI, apesar de o Amazonas, com cerca de 4 milhões de habitantes, ter uma área comparável à soma das regiões Sul e Sudeste.
O calendário de reabertura tem quatro etapas, até 6 de julho. A partir de segunda-feira, igrejas poderão funcionar com 30% de ocupação, em eventos de 1h e intervalo de 5h entre celebrações. No comércio, abrem lojas de artigos desportivos, de artigos para casa e concessionárias, entre outras.
A partir de 15 de junho, a abertura incluirá lojas de departamentos, de eletrodomésticos e restaurantes. As academias de ginástica e cabeleireiros ficaram para o dia 29. A rede privada de ensino e cinemas reabrem em 6 de julho, mas a rede pública ainda não tem data definida de retomada.
Coordenador de um projeto de monitoramento da pandemia, o professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) Henrique dos Santos Pereira afirma que o ideal seria começar a reabertura de Manaus só em meados de junho.
“A data mais segura para programar o início da flexibilização das medidas de isolamento e distanciamento social seria 17 de junho, considerando a curva de velocidade d óbitos. Ou, ainda mais seguro, o final de junho, considerando a curva de novos casos”, diz Pereira, do projeto Atlas ODS Amazonas.
O projeto, que usa um modelo preditivo, estima que 97% dos óbitos em Manaus terão ocorrido até 17 de junho. Pereira ressalva que o impacto das novas medidas dependerá em grande parte do comportamento da população com relação às regras de isolamento social. No auge das mortes, a cidade teve picos de até 60% de adesão ao isolamento.
Para a médica sanitarista Adele Schartz Benzaken, a medida está respaldada pelo aumento da oferta de leitos de UTI e pela queda de mortos em Manaus. Mas ela ressalva que a demanda do interior pode voltar a encher os hospitais de Manaus e que a curva de casos é questionável devido à pouca testagem da população da cidade.
“A decisão do governo tem de ser extremamente monitorada”, diz a doutora em saúde pública e diretora medica do programa global da AHF (Fundação de Cuidado à Aids, na sigla em inglês) para 42 países.
Benkazen afirma que, em caso de novo aumento acelerado dos casos, o governo terá de ter “sabedoria e pulso” para voltar a endurecer as regras de isolamento social -atualmente, só o comércio essencial está autorizado a funcionar em Manaus. Ela avalia que voltar atrás será uma decisão mais difícil do que estender o distanciamento.
Sobre o teor do decreto, a médica criticou a reabertura de igrejas e templos. Ela citou o caso recente de uma igreja batista em Frankfurt, na Alemanha, onde cerca de 40 pessoas foram infectadas após comparecer a um culto.
Via: folhape